Entre 2013 e 2023, cerca de 48 mil mulheres foram assassinadas no Brasil, segundo o Atlas da Violência, divulgado nesta segunda-feira (12/05). Desse total, 4.722 vítimas estavam na Bahia. O estado liderou o ranking nacional de homicídios de mulheres entre 2020 e 2023, com 1.781 casos registrados no período. Os dados são do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Em 2023, último ano do levantamento, o estado baiano registrou 463 homicídios femininos, o que representa um aumento de 12,7% em comparação a 2022. Para pesquisadoras, os índices evidenciam que a Bahia ainda convive com uma cultura machista. Apesar das mudanças sociais e conquista de direitos, as revoluções culturais são lentas.
“As relações amorosas se embasam em desigualdades, em posse, gerando ciúmes e colaborando para humilhações, xingamentos, tapas e muitas outras expressões de todo tipo de violência”, explica Darlane Andrade, pesquisadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher da Universidade Federal da Bahia (Neim/Ufba) e docente no Departamento de estudos de gênero e feminismo da mesma instituição.
Muitas vezes, aliás, estas expressões de violência começam de forma sutil, com promessas de amor eterno. “Nossa cultura valoriza o amor conjugal sob qualquer sacrifício, e isso tem um peso muito grande para as mulheres, dificultando - junto com uma série de outros fatores - o rompimento com uma relação tóxica e violenta”, continua Darlane. Para piorar, em muitos casos, quando as mulheres buscam o rompimento, acabam sendo vítimas dos companheiros.
Desde a entrada em vigor da Lei do Feminicídio, há dez anos, a Bahia somou 810 assassinatos de mulheres motivados por ódio. A legislação, que passou a valer em março de 2015, estabeleceu esse tipo de crime como uma circunstância qualificadora do homicídio. Em 2023, a norma passou por uma mudança importante ao reconhecer o feminicídio como crime com pena própria. Ainda assim, a violência persiste: só neste ano, ao menos 24 mulheres já foram mortas por motivação de gênero.
No Brasil, a violência letal contra as mulheres ainda é uma violência que majoritariamente acontece no contexto doméstico. Não por coincidência, pesquisas vêm mostrando, ao longo dos anos, que a casa é o lugar menos seguro para a mulher. Dados de registros policiais publicados no 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública evidenciam que nos casos de feminicídio, 64,3% dos eventos aconteceram dentro de casa. negras
Das 1.781 mulheres assassinadas na Bahia, 87% são negras. Ou seja, 1.567. Ao analisar este dado, a pesquisadora Darlane aponta que a violência contra a mulher deve ser analisada como um fenômeno interseccional, considerando que há lugares sociais, identidades/ marcadores sociais que colaboram para aumentar a vulnerabilidade das mulheres.
“Um desses lugares marcantes é a raça. Somos um povo forjado pelo processo de colonização que traz o racismo como marca. As vivências das mulheres negras são atravessadas pelo sexismo e racismo, que se somam à vulnerabilidade econômica dentre outras”, diz a pesquisadora.
No Brasil, somente em 2023, os registros apontam para 3.903 mulheres vítimas de homicídio, o que equivale a uma taxa de 3,5 mulheres por grupo de 100 mil habitantes do sexo feminino. Deste número, 2.662 são mulheres, o que representa 68,2% do total. É uma taxa de 4,3 mulheres negras mortas por homicídio por grupo de 100 mil habitantes.
Principais desafios
Em documento assinado pelas investigadoras Flávia Nogueira Gomes e Gabriela Lins Vergolino, do Nei/m/Ufba, que foi enviado à reportagem, diversos fatores dificultam as reduções dos índices. Acesso à informação e ações coordenadas e efetivas por parte das autoridades e da sociedade civil são exemplos.
“Destacamos a importância da educação, que desempenha um papel fundamental na prevenção e combate à violência, ao promover a conscientização sobre o problema e desconstruindo estereótipos, com o escopo de promover relações saudáveis e igualitárias, ajudando a identificar os sinais da escalada de violência e a compreender as suas causas e consequências, através da informação e do diálogo, já que muitas dessas manifestações refletem uma sociedade cujas relações são pautadas pelo poder”, explicam.